segunda-feira, 18 de junho de 2007

Exercício de sensibilidade...


DELICADO
Corpos coloridos, femininos, musculosos, misturados, encurralados, entrelaçados que também se movem como peças de xadrez...
Corpos que sofrem que se emocionam que esperam, puxam e desesperam...
Corpos inquietos que se despem e se encerram em coletes de forças e se arranham em desespero. Libertam-se dos laços e das cordas que os prendem...
Corpos delicados que se tocam que se acariciam que se abraçam que se juntam que se fundem, iguais femininos, empáticos no sofrimento que se deitam que se desnudam que se lambem que dançam brilhantes, iluminados...
Plateia que olha e se inquieta que sente, e se incomoda que vibra com a pele suada e brilhante dos corpos que no chão rastejam...

INTERVALO
Telemóveis que se espreitam que distraem que arrefecem porque sentir incomoda.
Multidão que se levanta que olha, é olhada, comenta e é comentada.
Lados opostos que se encontram, jeans desbotados, jóias que se expõem e atraem olhares como se fossem Laliques.
Conversas que se trocam, mãos que se apertam, corpos que se medem, se avaliam e se sentam quando soa o gongo.

WHITE
Corpos perfeitos masculinos, musculosos, suados, sensuais, fortes que escorregam, que lutam que se tocam que se animam ou caem amorfos...
Corpos que crescem ao som de tangos, a dez mãos tocados...
Corpos que arfam, gritam, transgridem as leis da física, inspiram, expiram e transmitem desejo. Corpos que libertam testosterona inquietam e fascinam olhos atentos...
Corpos machos, belos, decididos que ora se juntam numa amálgama de entrelaçados ora se afastam. Contorcem-se, contraem-se, relaxam numa sequência frenética de movimentos inesperados e impossíveis...
Troncos nus, imponentes, trabalhados que possuem o palco com alma e vontade. Livres, inspiram quem os espreita conscientes do impacto que provocam...
Gozam o espaço, brincam, provocam, mostram o lado macho com um orgulho exposto...
Corpos que ondulam num ritual afro, transpirando sensualidade...
Plateia que prende a respiração, segue os movimentos fascinada e sonha em sentir o corpo tocado...

XXXXX
Tive a sorte/azar de assistir ao último espectáculo do Ballet Gulbenkian no Grande Auditório e de ter registado o meu sentir, como se de uma clarividência se tratasse. Como se quisesse guardar em mim todas as temporadas vividas e sonhadas ao longo de tantos anos desde que tive idade para, da plateia, contemplar e emocionar-me neste mundo tão especial para mim.

Cresci com o Ballet Gulbenkian e com as filas para a compra das cadernetas de cada temporada. Primeiro partilhadas com a minha mãe, ainda nos anos sessenta, depois com os meus amigos e finalmente nos últimos tempos sozinha quando sentia uma enorme vontade de me alimentar e reencontrar.

Não consigo explicar por palavras a intensidade com que sinto/sentia os movimentos, a cor e o som desses momentos mágicos... é quase Divino... é quase como se o meu espírito abandonasse o meu corpo... é como se ele se juntasse a algo que não tem nome entre nós.

Hoje acordei com uma saudade profunda de alguém... algo falhou.

Como quem entra numa igreja, como quem visita uma sinagoga, senti uma enorme vontade de me inundar, alimentar e reencontrar. Apeteceu-me essa sala onde me sentei tantas vezes.
Daí este meu exercício de sensibilidade... HOJE!

Resta terminar esta minha homenagem a tantas emoções sentidas, com uma frase do Paulo Ribeiro: "a companhia estava num dos seus momentos de glória".

E agora em que plateia habito?

7 comentários:

Anónimo disse...

Como parece não escrever para si e antes que este texto se torne notícia de um espectáculo já descrito ou crónica de um sábado-separata lembrei-me disto - corpos que não são só isso

http://yasminaalaoui.com/

Teka disse...

Belíssimo!
Um corpo nunca é só um corpo.

Partilhe sempre...

Um particular: não sei bem porque escrevo, nem para quem escrevo... mas sinto-me bem!

Exercita-me o SENTIR.
Um dia falo sobre isso.

(como se nos conhecessemos... daqui, claro!)

Anónimo disse...

(claro...)

Anónimo disse...

TEKAS!!!Vou tentar relembrar o que escrevi)Ahhhh já sei, o texto fez-me sorrir para mim mesmo. Sabes porque? imaginei o que escreverias se viesses da salsa...relembrei a miscelândia de sentires que transporto quando acabo de dançar, a excitação que não acalma com o cansaço...ai ai tomara a minha próxima aula:)( mas não foi isto que escrevi antes, mas vou ver se fica, agora)
MariaCaxuxa

-pirata-vermelho- disse...

Pois...
também eu.
Mas!
O Ballet Gulbenkian (depois Companhia Gulbenkian de Bailado, um nome pomposo...) desceu, decresceu, 'degeneresceu' (até bailarinas a desequilibrarem-se no palco eu vi! gordinhas... ) e feneceu.

Não sei se lamento.
(Desculpe o desalinhamento)

Teka disse...

Os piratas existem para contribuir no desalinhamento!
Apareça sempre...

Teka disse...

Querida Maria Caxuxa
A Salsa é outro departamento, daria ou dará outro post.