sexta-feira, 29 de junho de 2007

Nos teus olhos não pude olhar...

Enfim chegaste!!
Voltando do teu mundo, montado no teu cavalo de raça, envergando uma armadura de aço. Surgiste, desta vez inundado por um nevoeiro anunciado, como uma sombra. Sombra envolta em mistério, se negro se dourado, se por guerra se por paz, ninguém podia saber.

E, olhando essa sombra que se aproximava e que eu sabia intocável, expectante fiquei, sem saber se ir, se ficar, se correr para alcançar, se fugir e não voltar.

As sombras tornam-se luz à medida que o dia aclara, mas a tua armadura era de um aço tão brilhante que não se podia contemplar. Assim, descobri da maneira mais sofrida que os teus olhos jamais eu podia olhar; que os teus olhos estavam vedados para os meus; que a luz que te envolvia era ofuscante demais.

Em vez de me sentir desamparada e tristemente só, refugiei-me no meu mundo, no meu sentir e fiquei presa, não na beleza da tua armadura reluzente, mas na luz do teu olhar de outrora, onde uma vez consegui entrar e viver.

E, apesar de só te poder ter, do alto do teu pedestal, não saí do teu lado, tentando ver mais além, desse cavalo puro que montavas e dessa armadura onde te encerravas.

E como nos teus olhos não podia olhar... olhei o teu corpo, onde tantas vezes me quis perder e que apenas um dia toquei de leve.

Como nos teus olhos não podia olhar... senti o teu cheiro que me fez estremecer, reviver a proximidade já vivida e sentir o calor do teu corpo ausente, mas presente em mim.
Como nos teus olhos não podia olhar... senti o teu sentir e fiquei feliz.

Como nos teus olhos não podia olhar... olhei as tuas mãos tocando nos objectos que ficavam entre nós e aos teus gestos banais, atribuí intenções nossas.

Olhei as tuas mãos e elas fizeram-me reviver emoções passadas. Mãos quentes, mãos amigas, mãos que contiveram as minhas e que se fundiram como de uma só se tratasse.
Olhar as tuas mãos, fez minha ansiedade em ter-te acalmar, porque as senti em mim.
Nas tuas mãos eu vi o que não pude ver nos teus olhos, porque não os podia olhar.

Se do nevoeiro chegaste, na noite cerrada partiste, de novo envolto em mistério, de novo encerrado em ti e nessa tua armadura reluzente, ansiando entrar num mundo de sonho, fantasia e ilusão, esquecendo que um cavaleiro também tem por missão lutar.

Nesse momento acordei, não sei se para o presente se para o futuro, despertada não por uma “silhouette” nem por uma “feiticeira”, olhei o livro caído no chão que não falava de pontes, levantei-me e mergulhei nas minhas rotinas, das quais tu nunca tinhas feito parte, coloquei um perfume que não era o nosso, entrei no carro onde tu não tinhas estado, coloquei uma balada que tu nunca tinhas ouvido.

Comecei mais um dia desta vida habitual, com um sorriso montado, treinado e aprendido, porque os outros não têm culpa dos meus sonhos ou pesadelos.

À noite cheguei a casa, e depressa me deitei tentando continuar a história desse meu cavaleiro, desejando ansiosamente que da próxima vez que ele chegasse, fosse num dia de sol, sem cavalo, sem armadura e com vontade de ficar.

4 comentários:

Anónimo disse...


Eu conheci esse cavaleiro nessa armadura, eu me lembrei o dia que vc leu para mim. Lindo, escuto ao longe um saxofone delicioso. Beijos do Bio

Teka disse...

Bio
Saudades mil desses fins de tarde amenos na varanda, cajurosca numa mão, olho no olho, Bossa Nova por fundo e uma vontade de recarregar baterias e atropelar assuntos, para que depois a distância não pese tanto.

Mesmo após 3 anos de ausência do olho, a qualidade de todas as partilhas desses momentos ainda me dão energia para gerir (palavra que você não gosta, aplicada a sentimentos)a falta que esses fins de tarde me fazem.
Mil beijos e saudades.

Anónimo disse...

Li vários dos seus posts TEKA, e este também que agora selecciono para tentar comentar, digo já, sem qualquer pretensão.
Não são muito comuns estes blogs tão introspectivos, tão projectados.
Normalmente nos aparecem textos, opiniões terceiras, videos, audios, fotos de terceiros, na base de copy/paste.
Muito bem escrito este seu romance.
Poderia bem ser um pré-guião para uma série.
Uma imagem muito boa de algo, que fica entre o sonho, e o pesadelo,entre a história, e a vida concreta.
Transmite muita "coisa" assim o possamos e consigamos entre(lêr).
Muitos parabéns pelo exercício linguístico,sinceramente.
Fiquei entre o brilho, a armadura,o cavalo,sem saber se o cavaleiro é apenas reflexo de um neo-relismo prosaico.
Bem haja pela partilha.
Não desista...apesar da bruma,pois as rotinas também são por nós alimentadas, muitas vezes, sem o sabermos exactamente.

Teka disse...

Caro Comentador Curioso, muito obrigada pelas suas palavras de incentivo.
Não tenho a pretensão que escrevo, mas gosto de escrever talvez para, como ouvi uma vez dizer alguém, "conhecer um outro mundo".
Infelizmente não sou muito persistente, escrevo por impulso, normalmente quando "sofro". Escrevo para me libertar ou para me aliviar das histórias que me confiam no dia a dia.

Este é um espaço seu também... vá aparecendo.