quinta-feira, 26 de julho de 2007

O Café Aroeira... IV

ELA (finalmente)
Ainda a sonhar, embalada no meu sentir, oiço a campainha da porta. A porta? ou o telefone? Ou outra coisa qualquer? Aqui?
Viro-me e continuo a tentar desesperadamente reconstruir o sonho: pegas na minha mão, olho os teus olhos...
Trimm Trimm de novo a insistente campainha... sim definitivamente é a da porta. Fico irritada.
Logo agora... olhei a beira da cama... nenhum antúrio!
Levanto-me estremunhada, meia descoordenada e vou até à porta.
- Quem é?
- Carteiro
- Por favor deixe o correio na caixa – disse do lado de cá da porta não reconhecendo naquela, a voz do Sr. João – Obrigada.
“Facturas e publicidade” é o que retiro todos os dias da caixa, formulários impessoais, discursos iguais em folhas onde só muda o logótipo e os números astronómicos que se pagam. Papel e papel deitado fora sem sentido, a anunciar produtos e serviços que não queremos e não precisamos. Onde andam as cartas, os sentimentos entre as pessoas? Onde andam as palavras que verdadeiramente interessam?
- Trago uma mensagem.
- Uma mensagem?
- Sim. “Uma mensagem, um pedido, um desejo ou um convite? Um jantar íntimo regado com conversas tranquilas”.
- Desculpe, mas quem é que disse que era?
- Sou o Carteiro... de Neruda!
E eu sou a Branca de Neve, pensei para dentro meia inquieta pelo tempo que estava a perder. Algum louco. “Filha não abras a porta a estranhos”, lembrava-me da minha mãe a dizer.
- Peço desculpa mas agora não posso abrir, qualquer coisa deixe na caixa por favor.
O Carteiro de Neruda à porta, às 8h da manhã, logo hoje em que queria acabar o sonho e voar para longe.
Olhei o relógio. Senti-me ansiosa, estado muito recorrente nas últimas semanas.
Enquanto tomava o meu duche pensei na mensagem, pedido, desejo, convite, um jantar íntimo regado com conversas tranquilas, uma charada? O que quereria dizer, faria parte do sonho? Teria mesmo um carteiro batido à minha porta? “O carteiro toca sempre duas vezes”, mas isso foi em 1981.
Pensei na história, um carteiro que recebe ajuda do poeta Pablo Neruda a fim de conquistar o amor da sua vida. Mário, um homem que sonha através das palavras do seu Mestre, mesmo sem perceber todo o sentido. Um hino à Amizade e ao Amor, estes dois valores imprescindíveis mas por vezes tão ambivalentes. Estaria um carteiro a bater à porta da minha vida? Ou um escritor?
Intrigada completei os meus gestos matinais, olhei para o espelho: “o tempo está a passar”. Franzi o sobrolho, maquinalmente espalhei o creme maravilha que psicologicamente resulta naquelas “marquinhas” que já não se esbatem.
Agora tenho que ir para o futuro.
Rapidamente acabei de fazer a mala, com os olhos procurei o livro. Onde está o livro? Sim, aquele que me ensina a não sofrer com métodos nos quais não acredito, ou não fosse uma Rogeriana convicta. “que se lixe... ah! terá ficado no Café Aroeira?”. Só a simples evocação deste lugar acelerou o meu coração. Lembrei-me dos teus olhos, do teu aceno de cabeça, da tranquilidade que depositavas na tua leitura, do teu olhar nas minhas costas quando sai. Quem és tu?
Lembrei-me também das conversas anónimas sobre o passado e o presente
Fechei tudo, a mala, o gás, a água, a electricidade, o passado.
Chamei o táxi, mas antes parei no “Alfredo” para o meu vício matinal.
Olhei para o pacote de açúcar e não pude deixar de sorrir.
“Um dia ponho a mochila às costas e vou conhecer o mundo.”
“Hoje é o dia”
Pacote de açúcar?
Uma mensagem? Um sinal?
Premonição?

Chego ao lugar mais especial desta minha cidade, onde tudo começa e acaba, enfrento a fila feliz, apesar do tempo de espera e do calor sufocante. Apressada corro por entre culturas e bagagens. Rostos anónimos, com destino marcado. Sonho que te vi? Ou será que te vi? Ainda olho para trás, perdi-te, eras tu? O meu pensamento ficou levemente em ti...
Chegou a hora!
Antes tenho tempo para o meu último ritual de cada vez que viajo: a minha última bica do dia em Portugal, apesar dos 1.20 euros.
Procuro um café, mas não um qualquer, tem que ser Nicola! Procuro a frase, no premonitório pacote de Açúcar...
“Um dia farei de ti a pessoa mais feliz do mundo.”
Não posso deixar de sorrir, de novo.
Entro no avião, respiro fundo, aperto o cinto e...
Deixo-me levar pelas nuvens...

Fui... para a terra dos príncipes e princesas...
ELE
Regresso à leitura do livro.
A viagem, o regresso... são partes do mesmo percurso. O mais interessante é sempre o que ainda falta percorrer.
É bom sentir-te aqui, pois este café... és tu!
O carteiro já cá não está. Para quê um outro mensageiro quando podemos viver “olhos nos olhos”?
O empregado discretamente ausentou-se.
Só agora reparei. Num canto harmonioso do Rick´s Aroeira Café há uma banda de Jazz.
Estou a vê-los, a ouvi-los: identifico um piano, vários instrumentos de sopro, de cordas e uma cantora.
Quem está a cantar?
Ella Fitzgerald? Saraah Vaughan? Billie Holiday? Dinah Washington? Nina Simome? Anita O´Day? Ou será Diana Krall?
Até hoje só me tinha cruzado ao vivo com duas delas.
No entanto, estas e muitas mais, sempre me fizeram companhia.
Estranho não ter ficado admirado com este evento. Sei que há muitos cantinhos deste Café que estão por descobrir.
Em Casablanca, seria normal cruzar-me com uma orquestra, com um pianista, com um cantor.
Pouso novamente o livro, aproximo-me de ti e desejo perguntar-te:
- Danças comigo?
“Valsinha”
“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar. Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar
Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
(...) Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou
(...) E o dia amanheceu
Em paz”
(Chico Buarque e Vinícius)

3 comentários:

Anónimo disse...

“Valsinha”
“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
(...) Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade enfim se iluminou

(...) E o dia amanheceu
Em paz”
(Chico Buarque e Vinícius)

Anónimo disse...

1ª intervenção
Observador atento desta tertúlia, reconheço estar a gostar destes dois romances:
- o vosso, aproximação cativante
- o do romance escrito a duas mãos.
Reparei que não se conhecem. A história deste romance escrito só tem continuidade se o jogo de sedução, que existe, for mantido.. Para nós, leitores, esse jogo tem que continuar – queremos que o romance nunca acabe.
No dia em que derem o primeiro beijo o romance escrito pode acabar, e é uma pena – mas será que o mesmo se transformará em outro romance ainda mais cativante?
O jogo de palavras deveria ser mantido.
Há que ser inteligente, e tal como o Fernando Pessoa (aqui referido várias vezes) ter a capacidade de brincar com “coisas sérias” (que são as únicas que valem a pena brincar) e com várias personagens em que todas são uma só...

Tomo a liberdade de efectuar alguns comentários:

Para a Teka
Gosto de ti, gosto da tua transparência, gosto da forma como gostas do teu “bloguista”, gosto da tua ingenuidade, gosto da tua sensualidade.
Deves ser uma mulher muito interessante.
No entanto acho-te ainda um pouco passiva... Provoca-o! Provoca-o ainda mais para ver como ele reage.
A não ser que a tua passividade também seja um jogo de sedução (tal como o dele).
Para ele, este jogo se sedução, está a ser fácil, pois protege-se neste mundo virtual... Provoca-o! Como? Aqui vão alguns exemplos:
- diz-lhe onde fica esse café Alfredo e a que horas tomas o teu café Nicola;
- diz-lhe que é bom ler um livro (seja o dele ou o teu) numa esplanada onde se veja o Tejo.
- tenta descobrir o endereço electrónico dele e envia-lhe uma mensagem do tipo: “sei que estás aí”
- diz-lhe que vais ver um filme na Cinemateca (tem que ser um bom filme – o comentário que ele fez ao teu livro indicia que ele deve ser um intelectual...)
nota final para ti, queria Teka: A versão do filme “O carteiro toca duas vezes” que referes (Jessica Lange e Jack Nicholson) não é a original, embora seja muito boa. A original a “preto e branco” é sublime e provavelmente ainda melhor

para o antó(nimo)
Gosto de ti, gosto da tua forma de estar, gosto do teu jogo de sedução (a propósito: quantas mulheres não terás já seduziste com este ou outros jogos? – deves gostar muito da ária da ópera D. Giovanni de Mozart... “O catálogo”)...
Como dizes... tem que haver mais vida para além da sedução e então quero ver como reages quando o virtual se transformar em real...
Se é um jogo e simplesmente isso, não deixes de o dizer antes mesmo dos primeiros passos de dança.
Não fugas aquando primeiro beijo!
Perde-te e entrega-te. Tens ar de que deves viver sozinho e que e deve dar muito prazer nessa situação...
Escolheste uma valsa? Ainda me vais explicar um dia como colocas uma banda de jazz a acompanhar o Chico Buarque... e o que fizeste Às cantoras que estavam a actuar?

Sugestão final: escolhe uma mota, verdadeiro cavalo alado e leva-a às estrelas.

Até já!

Anónimo disse...

será que o mais decisivo é o tipo de transporte?
Sinceramente,não creio.