quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Passa a outro e não ao mesmo...


Entusiasmada começou o dia, o ano, a vida...
“Bom Dia, Futuro!”
Subiu a escada energicamente.
Não saltou a rotina da sua bica matinal.
Trocou os sorrisos e as frases circunstanciais com que se começam as manhãs.
Consultou a agenda.
Desafios previstos.
Seria um excelente dia.
Batem à porta.
“- Temos um problema!”
Levantou-se, sorriu, avançou.
“- Tudo se resolve!”
À sua frente uma mulher madura, desgrenhada e desalinhada, soluçava.
Sentou-a, conteve-a no seu sofrimento interior, na sua amargura sentida.
A mulher tossia, fungava, gesticulava numa urgência de largar e afastar de si sentimentos, agruras, vida perdida e fluidos... muitos fluidos.
Incongruente, procurou discretamente com o olhar, a sempre presente caixa de lenços de papel.
“Bolas acabaram!”
A mulher desidratava mais e mais, visivelmente perturbada e entupida.
Por entre um discurso entrecortado por sonoros soluços e projectados espirros, lá ia secando, como podia, às mãos, às mangas do casaco e ao cabelo, todo o mal estar que sentia.
Serenamente, num esforço de concentração sobre-humano, abstraiu-se de tantos líquidos mal parados e escutou o mais empaticamente possível.
Passada a tempestade instala-se sempre a bonança e a mulher, visivelmente mais calma, levanta-se. Com um sorriso meigo e um ar pacificado, estende-lhe agradecida a mão direita para selar a despedida.
Acompanha-a à porta na ânsia secreta que a mão estendida procure um bolso ou um lenço inexistente.
Abre a porta e vira-se lentamente.
Esboça um sorriso. Com coragem respira fundo e enfrenta a mão, ainda molhada, que não baixou.
“- Obrigada! Sinto-me muito melhor.”
Desmonta o sorriso, olha a mulher desgrenhada que se afasta.
Contempla a mão e suspira.
“Ossos do ofício!”

Dois dias depois, em casa, a alucinar com quase 40 graus de febre, diz mal da sua vida.
Sente-se triste, impotente, desgrenhada, presa e só.
“Qual Bom Dia Futuro?”

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