domingo, 29 de julho de 2007

O Café Aroeira... VII

ELE
Um ruído vindo do exterior do Café interrompeu a conversa sobre a eventual identidade do “Champô”.
- Temos uma manifestação à porta – disse um “anónimo” que entrou no Café.
- E depois? – pergunta o empregado. Aqui na Aroeira somos democratas. Podem manifestar-se à vontade.
- Mas a manifestação é contra este Café.
O empregado ficou perturbado.
- O quê? Que mal fizemos? O diálogo é sempre uma boa solução. As “palavras ainda não estão gastas”. Não será possível declamar poesia para os manifestantes?
- “Isto” não vai com poesia – afirma categórico um “anónimo” manifestante que entrou no café.
- Que querem? Pergunta o empregado
- Várias coisas. Aqui está o nosso caderno reivindicativo:

a) que este antó(nimo) se identifique! – queremos saber quem ele é!
b) que ele fale directamente com a Teka, enfim que façam o que entenderem, se toquem, se beijem, dancem, mas que façam!

Não sabia onde me haveria de meter... mas em silêncio não ficarei. Sei que a “ausência de uma decisão é uma decisão”. Levantei-me e disse:
- Quero dizer...
Fui interrompido por uma contramanifestação:
- “Não queremos que vocês se conheçam”! – gritavam outros manifestantes. O nosso caderno reivindicativo és:
a) não queremos saber quem tu és

b) Tu e a Teka devem manter a distância. Sublimem o vosso desejo. Mantenham a nossa expectativa, necessitamos disso para viver!.
Momento superior, pensei. A contradição, a dúvida, referida várias vezes pela Teka, estava na rua.
Sorri.
Melhor ainda: “a poesia está na rua” (cartaz da Viera da Silva a propósito do 25 de Abril).
- Posso falar? - perguntei levantando a voz.
Fez-se silêncio.
Pensei que estava nos anos setenta. Saltei para cima de uma mesa e discursei:
- Não pactuo com posições incorrectas, não aceito soluções simples e superficiais. Querem que eu e a Teka falemos? Porquê? Não gostam da dúvida? Não gostam do desejo? Confundem o trajecto com a meta? Se é isso que querem de mim... não contem comigo.
- E vocês – continuei olhando para a outra manifestação – querem que não nos falemos? Porquê? Porque o vosso sentimento egoísta faz com que só pensem em vocês. E nós? Não temos direito ao prazer?
Fez-se um enorme silêncio. Percebi que os meus argumentos estavam a desmobilizar as manifestações. Os manifestantes abandonaram a sala.
- Para quem se dizia tímido... portou-se muito bem – disse-me o empregado do Café
Ainda disse:
- Maestro, por favor. Gostava de ouvir “Let´s Do It, Lett´s Fall in Love” – Cole Porter

Ao descer da mesa reparei que estavas no teu cantinho preferido.
Desta vez não baixei os olhos. Sorri e senti um brilho nos teus olhos.
Na tua mesa... antúrios vermelhos.


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